Mina de urânio em Caetité
Por Zoraide Vilasboas
Mais um ano amargo para o Programa Nuclear Brasileiro. O balanço 2013 é mesmo degradante, encerrando com vazamentos de licor radioativo, de contaminantes químicos, supressão de vegetação e baixa produção em sua unidade industrial de Caetité, na Bahia, onde uma mineração de urânio dá inicio ao ciclo de produção de energia nuclear. Crimes ambientais e trabalhistas, constatados e denunciados, ao longo do ano, aos órgãos responsáveis pela fiscalização continuam impunes.
O Sindicato dos Mineradores de Brumado e Microrregião (Sindmine) revelou, hoje, que a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) conseguiu esconder um acidente no TQ 1402, maior tanque de estocagem do sistema de produção de concentrado de urânio, que há mais de um mês está encharcando o solo com licor radioativo. E ontem foi detectado outro vazamento, num reservatório de rejeitos de altíssima concentração de urânio na área 170, onde se realizam atividades de precipitação, filtração, secagem e entamboramento desse minério. É a mesma área que foi parcialmente interditada, em julho de 2011, pelo Ministério Público do Trabalho e MTE, devido à irregularidades verificadas na INB.
Vazamento de urânio em pó, na área de entamboramento. Foto IBAMA
NEGLIGENCIA DA FISCALIZAÇÃOO Sindicato ainda não tem informação sobre o volume de líquido percolado, nem de quanto tempo o vazamento vem ocorrendo. Mas, o secretário do Sindmine Lucas Mendonça destaca a gravidade da situação, sobretudo porque o único fiscal da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), proprietária e fiscal da INB, residente na Bahia, entrou de férias e não foi substituído. A preocupação é grande porque o ano administrativo da CNEN se encerrou hoje, dificultando a vinda de fiscais de outras regiões a Caetité. Mas, com certeza, os trabalhadores da INB, o povo de Caetité, o povo do sudoeste, não merecem um presente de Natal como este!
Se o IBAMA tivesse agido, desde que descobriu, há quase 10 meses, que a INB manteve escondido mais um vazamento grave no tanque 6307, talvez os acidentes de agora pudessem ter sido evitados. O vazamento, ocorrido em 8 de março deste ano, liberou cerca de 2 mil metros cúbicos de líquido para o meio ambiente e os fiscais recomendaram a aplicação de sanções porque a empresa opera descumprindo condicionantes da Licença de Operação.
Também em março passado, eles descobriram uma grande devastação de mata, que vinha ocorrendo há oito anos, e propuseram a autuação da INB por suprimir vegetação, sem a respectiva Autorização de Supressão de Vegetação, como manda a lei. No mesmo relatório da vistoria sobre a gestão ambiental da mineração, o órgão menciona outro vazamento de fluido, com elevada concentração de sódio, ocorrido em 21 de fevereiro passado, na bacia 1403B, devido a incompetência técnico-operacional no descarte de carbonato de sódio empedrado, que danificou a manta de contenção dos efluentes da planta.
Resíduos contaminados cobertos com manta de PEAD
ao fundo da vala aberta recentemente. Foto IBAMA
CONTAMINANTES AMEAÇAM
Entre as criticas dos fiscais do IBAMA, está o registro da inexistência de manuais de operação, em especial, procedimentos para situações de emergências e procedimentos gerais de segurança, saúde e meio ambiente. Anotaram que a área de estocagem de resíduos contaminados permanece inadequada, que medidas corretivas, recomendadas há anos, não foram adotadas e que os tambores com esse material continuam expostos às intempéries. Materiais perigosos, resíduos inservíveis continuam sem adequado tratamento, dispostos em valas. Plásticos, madeira, enfardados, lâmpadas fluorescentes ficam ao ar livre.
Desde agosto do ano passado, diversos acidentes chegaram ao conhecimento público. Poucos foram comunicados aos órgãos competentes. Em 19 de agosto, houve um transbordamento de óleo BPF na área das caldeiras. Em 22 do mesmo mês, o fato se repetiu. O terceiro transbordamento de óleo combustível BPF ocorreu em 25 de agosto. Em 26 de setembro, cerca de 300 litros de óleo BPF escoaram para a rede de drenagem pluvial, transbordando para o meio ambiente. Já em 18 de outubro, uma falha na operação da INB espalhou cerca de 250 kg de urânio em pó, que estavam sendo embalados em um tambor, dos quais a empresa só conseguiu recuperar 118 kg. Em 2 de novembro, vazou ácido sulfúrico a 98% de um tanque e transbordou para o meio ambiente, chegando ao Córrego do Engenho. Este acidente paralisou a produção.
Vazamentos de ácido sulfúrico são corriqueiros na INB. E chama a atenção, o fato dos gestores da empresa orientarem os trabalhadores a não registrar problemas em seus livros de relatório. Há um poço de monitoramento, por exemplo, o PMA-18, que desde 2010 vem detectando vazamento de solventes por baixo da planta da usina, que jamais foi controlado, apesar de todo o piso da área ter sido concretado. Este fato ilustra bem a incompetência gerencial da unidade de Caetité, que há anos não sabe de onde parte o vazamento, nem tem idéia do volume já infiltrado no solo.
PREJUÍZOS DO NUCLEAR
A condicionante do licenciamento determina que qualquer acidente causador de dano ambiental deve ser comunicado de imediato ao IBAMA, à CNEN e ao INEMA. Mas os fiscais afirmam que “a INB continua não informando o Ibama de todos os eventos ocorridos na instalação”. E sugeriram a aplicação do Decreto nº 6.514/2008, que prevê multa de R$ 500,00 a R$ 10.000.000,00 pelo descumprimento das condicionantes do licenciamento.
A violação de leis ambientais, de leis trabalhistas e o descumprimento de condicionantes do licenciamento é pratica rotineira na unidade baiana da INB. Isto já foi denunciado várias vezes por movimentos sociais e fiscais do IBAMA. No campo do meio ambiente do trabalho, o ano finda também com um saldo bastante negativo. Práticas antisindicais tentam impor uma cortina de silêncio sobre os problemas que acontecem na empresa e resultam em tentativas de demissão de sindicalistas e afastamento de trabalhadores, por adoecimento psicológico, vitimados por um assédio moral sem precedentes.
A média anual de acidentes em Caetité evidencia a incompetência gerencial e a insegurança técnico-operacional que caracterizam o Programa Nuclear Brasileiro. Até quando o Estado brasileiro continuará fazendo vistas grossas à devastação ambiental e aos prejuízos de trabalhadores e das populações afetadas por este programa, no Sertão da Bahia?